Texto autoral de Nilcéa Lopes
Em 30 de maio de 2023.
Há uns 10 anos, estava em um papo descontraído com pessoas de diferentes faixas etárias e de repente surge, no contexto do assunto, a palavra idílio. Resolvi parar a conversa para perguntar aos mais jovens se sabiam do que se tratava. Eles não só não sabiam do que se tratava como nunca tinham ouvido ou lido a palavra.
Naturalmente, foram capazes de deduzir do que deveria se tratar pela conversa que rolava. Eu, a partir de então, comecei a ficar atenta às palavras que foram entrando em desuso. Até passei a brincar com meus interlocutores o quanto essas palavras são indicativas da minha idade. Ultimamente supimpa foi uma dessas palavras.
Recentemente ouvindo uma palestra na internet, o palestrante usou a expressão “caiu a ficha”, mas sentiu necessidade imediata de explicitar a origem da mesma e o contexto pragmático que a gerou.
Isso foi o gatilho para eu ampliar minha atenção também para as expressões que só os mais velhos ainda usam. Naturalmente porque o tempo, as novas realidades e mesmo a juventude têm trazido renovação à língua que falamos.
Recorri a dois grupos de amigos, um deles se denomina Velha Guarda, para avivar minha memória, ampliar o repertório e minha curiosidade sobre a mudança do tempo expressa na língua que falamos. A lista foi enorme. A brincadeira parece ter contaminado a todos. E cá estou recuperando e saboreando algumas delas.
Eu ouvia muito a expressão “nem que a vaca tussa” e agora sei que a vaca pode sim tossir, mas que certamente tosse muito menos que os humanos, ou seja, a expressão na verdade quer dizer “de jeito nenhum”.
Quantas vezes eu já “pisei na bola” e nem bola tive como brinquedo. Creio que nem atletas da bola sabem como essa expressão surgiu. Por incrível que pareça essa expressão surge no jogo de bilhar e se refere a quando um jogador bate no taco em uma bola que não deveria, prejudicando assim seu desempenho.
Eu já pisei na bola, já engoli sapo, já entrei pelo cano, já entrei em uma fria, já tive ideia de jerico, já tomei chá de cadeira, já dormi no ponto, já dei mancada. Quem não? Quem nunca?
Recentemente um ministro do judiciário usou a expressão “ó do borogodó”, que guarda similitude com a expressão “última bolacha do pacote”. A idade do ministro meio que ficou explicitada.
Na esfera da alimentação somos férteis em expressões sugestivas: ele é um pão, é batata, pão-duro, levar um bolo, enfiar o pé na jaca, viajar na maionese, isso é mamão com açúcar, encher linguiça, parecem ser as mais populares, pelo menos me parecem por frequentarem meu universo bem próximo.
“Ora bolas!!!!”, sim ora e não hora. O grupo musical Palavra Cantada, que participou muito da infância dos meus netos, tem uma música linda com esse título. Como ouvi essa expressão!!!
Bafafá, beleléu, borocoxô, balangandâ, gambiarra, salamaleque, piripaque, serelepe, palavras que só pela sonoridade me encantam e vira e mexe as introduzo nas minhas comunicações e me delicio um pouco com as reações dos mais jovens.
Lembrei há algum tempo do Sério Porto, o Stanislaw Ponte Preta, com a sigla instigante cunhada por ele: FEBEAPA. Essa é mesmo muito datada, lá nos meados da década de 60 do século passado, e naturalmente geograficamente situada no Rio de Janeiro, como seu autor.
Já fui orientada a tirar minhoca da cabeça, a tirar o cavalo da chuva, a colocar as barbas de molho, a manter a cabeça no lugar, a não brincar em serviço, a salvar a pele, a falar com meus botões, a botar a boca no mundo. Assim como fui orientada também a não dar com a língua nos dentes, a não colocar paninhos quentes, a não embarcar em canoa furada.
Trouxe aqui expressões que minha memória agora me permitiu e que me foram e são familiares. Muitas delas poderiam compor um modelo da pedagogia dos meus pais. A quem rendo homenagem agora.
Texto autoral de Nilcéa Lopes
Em 30 de maio de 2023.
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