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O papel dos laços sociais e das amizades na longevidade

Médico-gerontólogo Alexandre Kalache discute a importância do capital social para viver mais e os impactos negativos da solidão

Por Alexandre Kalache*

Estudos recentes indicam que a solidão é tão prejudicial para a saúde como fumar 17 cigarros por dia. Nada trivial.

Durante a pandemia de Covid-19, a solidão foi um dos principais fatores de sofrimento da população, sobretudo a mais idosa. Entre nós, mais de quatro milhões vivem sós e outros oito milhões vivem apenas com seu cônjuge. Muitos desses coabitam com outra pessoa, mas também estão isolados socialmente.

Com frequência, sofrem situações exasperantes, tendo ao lado alguém que já deixou de ser a pessoa que outrora fora — pela perda de independência por doenças crônicas físicas ou mentais, como demências.

Embora tenhamos superado a fase crítica da pandemia, o vírus continua circulando. Se bem protegidos, com a vacinação em dia, há pouco a temer. Vivamos, então! E vivamos de forma plena.

Laços sociais importam muito. Viver bem até os 100 depende pouco das famílias que herdamos. Não mais que 25% da chance de uma longevidade com qualidade de vida se deve a fatores genéticos.

Os pilares do envelhecimento ativo e saudável têm uma hierarquia: saúde (prevenção de doenças, promoção da saúde, hábitos saudáveis e acesso a serviços de qualidade); aprendizagem ao longo da vida (renovando sempre nossas habilidades para chegarmos à velhice com condições de participar plenamente da sociedade, o que pressupõe gozarmos de direitos para tal fazê-lo); segurança, proteção (o horror do envelhecer sempre foi e será sentir-se desprotegido); e capital social que podemos acumular sempre — embora, quanto mais cedo o fizermos, melhor, mas nunca é tarde demais.

Vou personalizar. Meus filhos são privilegiados. Minha mãe faleceu aos 102 anos e pôde ser bem cuidada até o final de sua longa vida. Ao completar 85 anos, comentou: “Sabe, meu filho, eu agora só faço amizades com pessoas pelo menos 20 anos mais jovens que eu. Meus amigos estão indo embora e não quero chegar à velhice (!!) só”. Conseguiu.

O avô paterno morreu aos 103 anos e em sua derradeira hospitalização, foi perguntado por uma enfermeira: “O senhor tem quantos filhos?”. Prontamente respondeu “por enquanto só três”. Seu bom humor garantiu a presença de amigos de todas as idades até o final.

A avó materna, hoje com 99 anos, parece mais feliz e receptiva que nunca. Não lhe falta companhia.

O único a ter falecido ‘jovem’ foi meu pai, aos 91 anos. Sereno, rodeado de familiares e amigos. Sua Missa de sétimo dia foi a mais concorrida que presenciei.

Mas meus filhos podem desaproveitar a dádiva dos 25%. Pessoas que cultivam amizades e laços familiares vivem mais e melhor, frequentando cursos e grupos de afinidade. Serem leves, otimistas, cultivando bom humor. Adultos ranzinzas são chatos, pessoas idosas ranzinzas poucos aturam.

Que mantenham a curiosidade, o interesse pelos outros. Que adotem causas, tenham propósito de vida. E, sobretudo, que celebrem a longevidade. Envelhecer é bom; das duas: a melhor opção.

*Alexandre Kalache, médico-gerontólogo, presidente do Centro Internacional da Longevidade, ILC-Brazil

Publicação original: https://oglobo.globo.com/conteudo-de-marca/longevidade/noticia/2024/02/24/o-papel-dos-lacos-sociais-e-das-amizades-na-longevidade.ghtml

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