O “diagnóstico de 2025” revela que pouca coisa mudou na mobilidade da capital paulista, especialmente para os pedestres idosos.
Por Coletivo Corrida Amiga (*)
A mobilidade a pé é o principal modo de deslocamento no país, com cerca de 36% da população brasileira se locomovendo exclusivamente a pé (ANTP, 2017). Para pessoas idosas, caminhar representa mais do que locomoção: é um pilar de bem-estar, saúde e inclusão social.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2060, um em cada quatro brasileiros terá mais de 65 anos. A Lei nº 10.741/2003 (Estatuto da Pessoa Idosa) assegura a adequação dos espaços públicos para sua mobilidade segura.
No entanto, conforme Cartilha Mobilidade Urbana e Pessoa Idosa, do Instituto Corrida Amiga (2019), o espaço urbano continua desenhado para priorizar a fluidez dos automóveis, em detrimento da segurança de quem caminha.
Um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública da USP (Duim et al., 2017) aponta que 97,8% das pessoas idosas da cidade de São Paulo não conseguem caminhar a 4,3 km/h (1,2 m/s), velocidade exigida pelo padrão apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP) para os semáforos da cidade. Na média, a velocidade alcançada pelas pessoas com mais de 60 anos que participaram do estudo foi de 2,7 km/h (0,8 m/s).
Esse cenário foi evidenciado pela pesquisa de ciência cidadã Travessia #Cilada, promovida pelo Instituto Corrida Amiga, com levantamentos feitos pela própria população. A edição de 2024 avaliou 167 semáforos em 21 cidades brasileiras. Em maio de 2025, o Mobilidade Estadão publicou uma reportagem com base no mapeamento da campanha, que apontava 25 pontos de travessias inseguras na cidade de São Paulo.
Após a publicação, a CET contestou as informações e afirmou que todos os semáforos indicados como inseguros ‘estavam com defeito e passaram por manutenção’. Então, o Instituto realizou nova coleta para verificar a efetividade das correções.

O diagnóstico de 2025, no entanto, revelou que pouca coisa mudou nas travessias da capital paulista, especialmente para os pedestres mais vulneráveis. Os dados mostram que:
1) 44% das travessias analisadas mantêm apenas 4 a 5 segundos de tempo verde
2) Mais da metade exige espera superior a 2 minutos, desrespeitando o limite de 90 segundos estabelecido pelo Estatuto do Pedestre (Lei nº 16.673/2017)
3) Para o perfil idoso, com velocidade média de caminhada de 0,8 m/s, cerca de 80% das travessias não oferecem condições mínimas de segurança
4) Para crianças e pessoas com deficiência (0,6 m/s), 90% das travessias têm tempo insuficiente
5) Em muitos cruzamentos, os tempos semafóricos exigem velocidades de travessia até três vezes superiores àquelas compatíveis com a realidade da população idosa
O tempo de reação também compromete a segurança
Além da velocidade de caminhada, o tempo de reação agrava o problema. Estudos indicam que pessoas adultas levam, em média, 1,93 segundos para iniciar a travessia após o sinal verde. Pessoas com mais de 60 anos precisam de 2,5 segundos (Knoblauch et al., 1996). Ora, em um cenário em que o tempo verde dura apenas 4 segundos, sobra apenas 1,5 segundo para atravessar. Importante destacar que o chamado “vermelho piscante” (intermitente), tempo complementar de travessia, não deve ser utilizado para iniciar a travessia, conforme o Manual Brasileiro de Sinalização (DENATRAN, 2014). Ou seja, seguindo rigorosamente as regras atuais, uma pessoa idosa não conseguiria atravessar nunca.
A insuficiência temporal, além de desumana, compromete o direito constitucional de ir e vir (Art. 5º, XV) e fere a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que determina adaptações no ambiente urbano para garantir acessibilidade.
Travessias inseguras: vidas em risco
Os riscos são evidentes: mais de 30% dos pedestres mortos em atropelamentos são idosos, e 80% dessas mortes ocorrem durante a travessia (Prefeitura de São Paulo, 2019). Em 2023, registraram-se 5.662 mortes de pedestres no Brasil (DATASUS, 2024), com aumento de 13,5% nas mortes em ocorrências de trânsito entre 2010 e 2019, afetando especialmente pessoas acima de 70 anos (IPEA, 2023). Dados locais, em SP (2019), mostram que 47% dos atropelamentos fatais ocorrem na faixa, com o sinal verde para o pedestre, o que deveria ser o momento mais seguro da travessia.
Essa realidade demonstra um sistema viário falho, que prioriza a fluidez dos automóveis em detrimento da vida humana, contrariando os princípios dos Sistemas Seguros e da Visão Zero. O Código de Trânsito Brasileiro (arts. 29 e 70) é categórico ao estabelecer a prioridade do pedestre: o maior deve proteger o menor.
Nenhuma morte no trânsito é aceitável. Proteger vidas significa adequar semáforos, calçadas e políticas de mobilidade para quem mais precisa: pessoas idosas, com mobilidade reduzida, com deficiência, crianças e pedestres em geral.
Sobre o Instituto Corrida Amiga
Desde 2014, o Instituto Corrida Amiga aproxima e conecta as pessoas ao espaço em que vivem, com atividades de sensibilização lúdico-educacionais, desenvolvimento de projetos, pesquisas e manuais voltados às crianças, jovens, adultos, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Já beneficiou mais de 26.000 pessoas na região metropolitana de São Paulo, através de ações em instituições parceiras e realização de campanhas de mobilização.
Referências
ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos (2017) Mobilidade humana para um Brasil urbano. ANTP, São Paulo.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 20 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Política Nacional de Mobilidade Urbana.
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso.
Denatran (2014). Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito Volume V – Sinalização Semafórica Resolução do CONTRAN N° 483 de 09 de abril de 2014.
DUIM, E. et al. Walking speed of older people and pedestrian crossing time. Journal of Transport & Health, v.5, p.70-76, 2017.
O Estado de São Paulo. (2025). Mortes de pedestres crescem em ruas e estradas brasileiras em 2024. Disponível em: https://mobilidade.estadao.com.br/maio-amarelo/mortes-de-pedestres-crescem-em-ruas-e-estradas-brasileiras-em-2024/ Acesso em jun2025.
INSTITUTO CORRIDA AMIGA. Cartilha Mobilidade Urbana e Pessoa Idosa, 2019. Disponível em: <https://corridaamiga.org/wp-content/uploads/2019/07/Cartilha-Mobilidade-Urbana-e-Pessoa-Idosa-1.pdf>. Acesso em: 04 set. 2024.
Instituto Corrida Amiga. (2025). Resultados Travessias Cilada 2025 [Data set]. https://bit.ly/travessiacilada2025
Knoblauch, R., Pietrucha, M., Nitzburg, M. (1996). Field Studies of Pedestrian Walking Speed and Start-Up Time. Transportation Research Record: Journal of the Transportation Research Board. 1538. 27-38. 10.1177/0361198196153800104
Prefeitura de São Paulo (2019). Plano de Segurança Viária da cidade de São Paulo. Disponível em: https://drive.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/plano_de_segurana_viaria_pmsp_2019_web_1558984227.pdf.
Prefeitura de São Paulo. Lei nº 16.673, de 13 de junho de 2017. Institui o Estatuto do Pedestre no Município de São Paulo.
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(*) Coletivo Corrida Amiga: Silvia Stuchi, Meli Malatesta, Elky Santos, Graziela Mingati, Viviane Barbosa, Arthur Santana, Renata Marè, Marcus Magalhães, Marcio de Morais – Membros do Instituto Corrida Amiga. E-mail: silvia@corridaamiga.org
Imagens: Arquivo Instituto Corrida Amiga
Artigo original AQUI
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