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O futuro do trabalho tem cabelos brancos (e isso é uma boa notícia)

O futuro do trabalho no Brasil terá cabelos brancos. E, sim, isso significa inovação. Significa que empresas terão horários flexíveis, ambientes diversos, modelos diferentes de liderança e ênfase em soft skills. Para destravar esse potencial, no entanto, o mercado brasileiro precisa encarar um tema complexo: a discriminação por conta da idade, o etarismo.

Dados iniciais do Censo de 2022 mostram que a taxa brasileira de crescimento populacional caiu pela metade nos últimos 10 anos. Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) mais recente, feita em 2021, mostra que o país já tem 56,1% da população com mais de 30 anos.

Fonte: IBGE

Antes da divulgação dos dados do Censo de 2022, as projeções mostravam que, até 2040, 57% da força de trabalho terá mais de 45 anos. As informações apenas aceleram o ritmo de chegada dessa transformação.

“Os números são um chamado à realidade. Temos que mudar o conceito que diz que a juventude é o grande motor de desenvolvimento da economia”, afirma Sérgio Serapião, CEO da Labora, consultoria focada na reinserção de pessoas com mais de 50 anos no mundo profissional.

Outro dado que precisa entrar na conta: a expectativa de vida do brasileiro segue crescendo. Nos anos 2000, a esperança de vida ao nascer era de 69,8 anos. Hoje em dia, é de 77 anos.

A transformação digital levou a uma percepção de que é preciso ter jovens para ser uma empresa moderna. O melhor é ter diversidade geracional.

De acordo com Morris Litvak, CEO e fundador da Maturi, maior empresa brasileira focada em recolocação e desenvolvimento profissional dos 50+, a ideia de uma pessoa de cabelos brancos “parada no tempo” não condiz com a realidade.

“O etarismo é embasado em um estereótipo de realidade que não é mais a nossa. Em 30 anos, a sociedade brasileira mudou muito, mas a cultura ainda valoriza os jovens”, aponta Litvak.

Dentro das companhias, o etarismo aparece de uma forma mais silenciosa, difícil até mesmo de ser captada em pesquisas e censos internos. Afinal, muitas grandes empresas têm, de fato, diretores e executivos com mais de 50 anos de idade. Na sua maioria, são profissionais que amadureceram dentro da empresa, subiram de cargos e seguem ali.

“A contratação de profissionais acima dos 50 anos ainda é um tabu. Porque o mercado parte de um olhar muito voltado para os jovens”, fala Litvak.

Programas de aposentadoria compulsória, que forçam a saída de profissionais com mais de 50 anos, são mais comuns no dia a dia das companhias do que os de contratação. Pesquisa feita pela Maturi em parceria com a EY mostrou que 80% das empresas brasileiras não têm políticas especificas e intencionais de combate à discriminação etária em processos seletivos.

Crédito: Freepik

SEM DATA DE VALIDADE

“A palavra envelhecimento assusta muita gente. As pessoas não se sentem muito confortáveis em tratar desse tema”, aponta o fundador da SeniorLab, Martin Henkel. A consultoria é focada em pesquisas de mercado do segmento 60+ e vem captando mudanças no comportamento de quem antes era considerado “apenas uma avó”.

Entender que envelhecer trará experiências e habilidades novas faz parte da quebra do etarismo. No mundo corporativo, um profissional 50+ costuma ser mais resiliente em momentos de crise.

Em 30 anos, a sociedade brasileira mudou muito, mas a cultura ainda valoriza os jovens.

“É um profissional que tem o domínio, tem um plano B, não se desespera na hora que acontece algo ruim, tem mais capacidade de planejar”, afirma Juliana Ramalho, CEO da Talent Senior. Além disso, ele já teve tempo para treinar e aprimorar a comunicação e a empatia, duas das principais soft skills procuradas no mercado.

A criatividade também está presente, mas em uma forma que o mercado, principalmente de tecnologia, acaba deixando de lado. No lugar das mil ideias disruptivas dos profissionais jovens, há aquela única ideia com aplicabilidade prática.

“A criatividade sênior não é aquela que fica dando palpites no brainstorm. Ela é mais assertiva, direta, porque é baseada em uma série de experiências anteriores”, analisa Serapião. Além disso, quando contratados, os profissionais reduzem a taxa de rotatividade da empresa, já que tendem a se estabelecer no local.

“A transformação digital levou a liderança a ter uma percepção errada de que precisa ter jovens para ser uma empresa moderna. Na verdade, o melhor é ter um mix, ter diversidade geracional”, diz Litvak.

“O mercado está desperdiçando talentos que poderiam aumentar a produtividade por um mero desconhecimento e preconceito”, aponta Henkel. “As pessoas não têm data de validade.”

FLEXIBILIDADE PELA FRENTE

Quando combinadas, a longevidade e a aceleração da tecnologia vão exigir uma transformação sobre o que significa uma carreira de sucesso.

No lugar do caminho linear e ascendente, a vida profissional acontecerá em ciclos. O que significa que nem sempre o movimento será para um cargo mais alto, mas para uma posição que se encaixe no momento de vida da pessoa.

Litvak, da Maturi, explica que os 50+ puxam novas formas de um profissional colaborar e de agregar valor para as empresas. No lugar de aposentar aquela executiva experiente ou aquele líder sênior, as companhias poderiam optar por torná-los mentores de jovens ou abrir espaço para consultoria.

Um exemplo que pode ser visto hoje é com relação à carga horária. Muitos dos executivos que se aposentam acabam optando por trabalhos que exigem menos horas por dia, em uma dedicação não exclusiva. O que já criou um novo formato de trabalho: o Talent as a Service.

A partir deste modelo uma empresa pode contratar alguém pela experiência que tem na área. É como se fosse uma consultoria especializada. Assim, a pessoa pode optar por trabalhar para três empresas, em um tempo reduzido para cada uma. Juliana, que aposta nesse modelo na Talent Senior, conta que existe até a opção de o profissional colaborar para uma empresa apenas um dia da semana.

O profissional sênior já teve tempo para treinar e aprimorar a comunicação e a empatia, duas das principais soft skills procuradas no mercado.

A combinação traz resultados positivos para companhias que precisam do apoio técnico e da experiência de quem já é especializado no ramo. “Valorizar a experiência é mostrar que o profissional sênior não é aquela mão de obra barata, o que evita que o modelo se transforme no que aconteceu com a gig economy [modelo de trabalhadores autônomos como do Uber]”, afirma Juliana.

Além da flexibilidade, o mercado de trabalho 50+ é mais aberto à transição de carreira. A busca pelo lifelong learning, ou seja, o aprendizado de longo prazo, é uma característica desses profissionais. No Brasil, o número de universitários com mais de 40 anos em cursos de graduação passou de 28 mil para 600 mil entre 2012 e 2021.

No final das contas, a nova pirâmide etária brasileira exigirá empresas mais atentas e processos humanizados, flexíveis e diversos. Uma transformação que trará benefício para todas as gerações que ingressarem no mercado de trabalho.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira – Fast Company Brasil – 17-07-2023

Jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para negócios.

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O futuro do trabalho tem cabelos brancos (e isso é uma boa notícia)

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