TRABALHO60+ (10)

Geroarquitetura: o conceito que visa espaços melhores para os idosos

O termo cunhado por arquiteta brasileira ganhou fama e diz respeito aos projetos voltados à segurança e ao bem-estar do público 60+

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Ana Sachs para Revista Casa e Jardim

Na terceira idade, as quedas, em especial as que ocorrem em casa, tornam-se mais comuns.

Segundo informações do Ministério da Saúde, foram registrados 285 atendimentos de idosos por dia no Sistema Único de Saúde (SUS) causados por quedas nos dois primeiros meses de 2024. Entre janeiro e fevereiro, foram 17.136 atendimentos hospitalares e 9.658 atendimentos ambulatoriais envolvendo a faixa etária de 60 a 110 anos.

“Diversos fatores podem causar o aumento de quedas entre os idosos, como a fraqueza e perda muscular do corpo, os efeitos colaterais de alguns remédios, a perda de sensibilidade por distúrbios neurológicos, além de doenças ortopédicas ou prejuízo dos sentidos de visão e audição”, explica Marcelo Tadeu Caiero, presidente da Sociedade Brasileira do Trauma Ortopédico.

Ao pensar neste público e a fim de promover mais segurança aos idosos, a arquiteta Flavia Ranieri acabou cunhando o termo geroarquitetura. “Eu fiz pós-graduação em gerontologia, justamente a ciência que estuda todo o processo de envelhecimento. Então, eu uni a minha formação em arquitetura com a de gerontologia, por isso veio esse termo geroarquitetura, que comecei a usar em 2018”, explica.

A expressão, que remete a uma arquitetura específica para o processo de envelhecimento, acabou se difundindo. Conforme a especialista, a geroarquitetura busca uma casa que possa envelhecer junto ao morador, sem que ele precise reformá-la para se adaptar às necessidades que chegam com a idade.

“Não é uma casa cheia de barras e soluções mirabolantes. Ela é uma morada tradicional, que, caso a pessoa necessite de cadeira de rodas, não precisa alterar para conseguir viver”, diz Flavia.

Além das questões estruturais da construção, como larguras maiores de portas e áreas de circulação, a ideia é pensar como a arquitetura pode compensar os processos naturais do envelhecimento.

“Vamos perdendo a visão, audição e a própria mobilidade. O organismo tem um declínio, que não significa que seja limitador, mas, com isso, começamos a nos preocupar com iluminação e acústica adequadas para que o idoso consiga conversar, escutar e ter um ambiente que seja seguro”, explica Flavia.

Segundo a arquiteta, para projetar um espaço à terceira idade é preciso olhar a longo prazo, fazendo um planejamento para que a residência se adapte e evolua com as necessidades. Criar uma residência extremamente “hospitalar”, segundo ela, quando ainda não é necessário, tem um impacto emocional muito grande no idoso.

“O ambiente não precisa ser inteiro adaptado, mas ele necessita estar preparado. Porque a pessoa está bem hoje, mas amanhã pode não estar. Você precisa visualizar longe, mesmo que só faça os primeiros passos”, destaca Flavia.

 

Como tornar os ambientes seguros

 

Uma série de itens deve ser observada na hora de projetar para a terceira idade. “Nos projetos para idosos focamos na acessibilidade, na segurança e no conforto. Precisamos fazer tudo mais fácil e seguro, com rampas no lugar de degraus, corredores largos e espaços mais confortáveis, que serão fáceis de circular e de usar”, fala a arquiteta Juliana Mohr, especialista em arquitetura hospitalar e sócia do escritório Seferin Arquitetura.

Um dos principais itens quem merece atenção e evita muitos acidentes é o piso. “Ele deve ser sempre antiderrapante na casa toda, não importa se a área é molhada ou não. Devemos ter pisos uniformes e sem desníveis ou degraus e também cuidar com a ilusão de ótica, usando cores neutras e uniformes, que permitem enxergar melhor o contraste dos objetos que caem no chão”, aponta Flavia.

Segundo Flavia, não é recomendado colocar um revestimento de área externa no espaço interno do imóvel. “Isso não é adequado porque a pele do idoso é muito sensível. O aspecto rugoso e rústico deste tipo de piso pode machucar o pé das pessoas de idade, que tem a sola muito fina”, alerta a especialista em gerontologia.

Em termos de metais, o indicado são os monocomandos, por facilitarem temperar a água e ajudarem quem tem dificuldades motoras. “Entre os acabamentos, também fazemos uso de contrastes em situações específicas que possam ajudar, como uma porta com o piso ou de uma parede com o revestimento do chã, que auxilia a pessoa a se localizar e entender onde tem um obstáculo”, orienta Flavia.

Áreas de circulação maiores são importantes para evitar acidentes com idosos. Projeto da arquiteta Flavia Ranieri — Foto: Flavia Ranieri / Divulgação

Áreas de circulação maiores são importantes para evitar acidentes com idosos. Projeto da arquiteta Flavia Ranieri — Foto: Flavia Ranieri / Divulgação

Além da saúdecuidar da segurança emocional do idoso é muito importante. Os ambientes precisam ser acolhedores, com materiais que remetem à natureza, como fibras naturais, madeira, linho e até mesmo plantas dentro de casa. “A própria iluminação deve ser pensada para trazer acolhimento de conforto”, destaca a especialista em gerontologia.

Um erro comum é querer melhorar a luminosidade e colocar um excesso de lâmpadas de luz branca nos espaços. “Parece que você está em um laboratório. Recomendamos uma iluminação uniforme, mas não precisa ser super forte. Fortalecemos a luz nas áreas de risco ou que precisam de uma atenção maior, como bancadas da cozinha e do banheiro e nos corredores”, indica Flavia.

A luminosidade também deve ser bem distribuída para garantir uma boa visibilidade, evitando sombras que possam confundir. “A iluminação adequada é vital para a segurança. Evitamos contrastes fortes entre áreas claras e escuras e consideramos o uso da luz natural sempre que possível”, ensina Juliana.

Os móveis, sempre que possível, devem ser sem quinas, com as bordas arredondadas. Evite peças que fiquem nas áreas de circulação e possam causar tropeços, e também dê muita atenção à altura dos mobiliários.

“Todos os materiais devem ser escolhidos considerando a segurança e a facilidade de manutenção. Evitamos aqueles com brilho em pisos, paredes e tecidos, porque superfícies que não refletem luz em excesso ajudam a evitar o desconforto visual”, fala Juliana.

Banheiros adaptados trazem segurança aos idosos na hora do banho e da higiene pessoal. Projeto da arquiteta Flavia Ranieri — Foto: Flavia Ranieri / Divulgação
Banheiros adaptados trazem segurança aos idosos na hora do banho e da higiene pessoal. Projeto da arquiteta Flavia Ranieri — Foto: Flavia Ranieri / Divulgação

“Se a pessoa não quer tirar o tapete, temos que prendê-lo no chão. Cadeiras com braços ajudam a se levantar. Em relação ao assento, o idoso precisa ser capaz de apoiar totalmente o pé no chão. Isso é importante também em relação à altura de cama. As com box normalmente são muito altas. No caso do sofá, o problema é o oposto. Eles costumam ser muito baixos, então a pessoa tem que fazer muito esforço”, detalha Flavia.

tecnologia pode ser uma grande aliada nas residências da terceira idade. Sensores variados, como de fumaça, e sistemas de automação trazem segurança e facilitam o dia a dia do idoso. Ao lado das barras de apoio, o banheiro pode contar, por exemplo, com um sensor de iluminação noturna, que também pode ser instalado em áreas como corredores. Ao notar o movimento, a luz se acende automaticamente, ajudando a evitar quedas.

“A maioria dos acidentes acontece em áreas molhadas, como banheiro e cozinha, e na transição à noite entre a cama e o banheiro. O ideal é conseguirmos iluminar de uma forma suave, porque o contraste e ofuscamento podem ser riscos de queda”, diz Flavia.

 

Condomínios para idosos

 

Atualmente, uma série de empreendimentos exclusivos voltados à terceira idade vem surgindo no Brasil. Em Porto Alegre (RS), o residencial sênior Magno Menino Deus tem projeto baseado no conceito de aging in place, que visa trazer dignidade aos idosos. “Ao projetar para esse público, pensamos como a arquitetura pode proporcionar maior qualidade de vida, promover autonomia e bem-estar”, destaca Juliana.

No empreendimento Magno Menino Deus, em Porto Alegre, as suítes possuem sistema de automação — Foto: ABF Developments / Divulgação
No empreendimento Magno Menino Deus, em Porto Alegre, as suítes possuem sistema de automação — Foto: ABF Developments / Divulgação

Com projeto do Studio Ronaldo Resende, o empreendimento usou conceitos da neuroarquitetura para criar espaços confortáveis e práticos ao público com mais de 60 anos.

“No Magno oferecemos uma geroarquitetura disruptiva, centrada na experiência do usuário. Tentamos compreender todos os pontos importantes para a população 60+ em termos de mobilidade e conforto, mas, indo além, respeitando e considerando o comportamento e a rotina desse público”, explica Eduardo Fonseca, CEO da ABF Developments, responsável pelo empreendimento, em parceria com a Unimed-RS.

Além dos apartamentos, as áreas comuns do edifício foram pensadas com foco nas necessidades dos idosos, oferecendo acessibilidade e infraestrutura que promova relações sociais, como lounges, sala multiúso com bar, espaço para leitura, café, restaurante, piscina e áreas de jardim para atividades e exercícios.

Áreas ao ar livre são muito importantes para o bem-estar do idoso em condomínios sênior living. Imagem do empreendimento Magno Menino Deus, em Porto Alegre — Foto: ABF Developments / Divulgação
Áreas ao ar livre são muito importantes para o bem-estar do idoso em condomínios sênior living. Imagem do empreendimento Magno Menino Deus, em Porto Alegre — Foto: ABF Developments / Divulgação

“Criar uma rede entre vizinhos também é ótimo, pois eles podem dar suporte em caso de acidentes. Além disso, vários empreendimentos têm oferecido alarme de emergência, sensores, sistemas de monitoramento e fechaduras eletrônicas para quando o idoso necessitar de um atendimento médico de urgência”, comenta Flavia.

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